André Iizuka: Burocracia atrapalha investimento estrangeiro no país

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Publicado no Conjur em 29 de junho de 2012, 12h14

Por André Iizuka

Investir no mercado brasileiro nunca foi um negócio almejado por tantos estrangeiros. Com tamanha crise, o Brasil, quinto maior país do mundo se tornou uma das grandes potências na América Latina tornando-se foco de investimentos no mercado internacional, porém abrir uma empresa no país é um exercício de paciência e cautela. É preciso considerar etapas como registro na Junta Comercial, inscrição no CNPJ, registro dos funcionários no INSS e licenças de operação. Dependendo da área de atuação, o processo pode passar por mais quinze etapas, se estendendo durante meses.

A convite de autoridades e empresas espanholas, no último mês pude acompanhar durante treze dias em Barcelona, uma rica discussão entre empresários, executivos e autoridades locais sobre o real interesse de como, quando e por que investir no mercado brasileiro. O assunto sugere inúmeras discussões, tanto para quem está chegando, no caso dos estrangeiros, como para quem já está no país, empresários brasileiros.  

Idealizando um cenário, ainda hoje podemos concluir que há uma defasagem de informações referente ao panorama jurídico, formas de implantação de negócios no Brasil, práticas comerciais, contratuais, benefícios fiscais, subvenções econômicas, propriedade industrial e autorizações de residência para expatriados, porém, mesmo com este amplo cenário de dúvidas, a intenção é investir, a meta é trilhar por um caminho seguro que possa gerar lucros a ambos.

Olhos espanhóis
O país vinha até o último ano se destacando como o terceiro maior investidor no Brasil, com um saldo de US$ 79,5 bilhões, precedida dos Países Baixos (US$ 169,5 bilhões) e dos Estados Unidos (US$ 125,4 bilhões), de acordo com dados do Banco Central relativos ao censo de 2011.

Os investimentos realizados por empresas espanholas no país, nos oito primeiros meses de 2011, somaram US$ 5,6 bilhões, ou seja, 800% a mais do que no mesmo período de 2010. Na Câmara Espanhola de Comércio, as solicitações por reuniões e esclarecimentos passaram de 40 pedidos em 2009 para dois mil, em 2010

Basicamente, o Brasil está na “terceira onda” de investimentos no país, sendo que a primeira veio em meados dos anos 90, durante o processo de privatização do governo FHC, a segunda ocorreu nos anos 2000, com a chegada de companhias de serviços e infraestrutura, e a terceira é alimentada pela crise mundial.

Entretanto, no primeiro quadrimestre deste ano os investimentos somaram apenas US$ 739 milhões, uma queda brutal se confrontado com os US$ 4,7 bilhões de investimentos diretos em igual período de 2011, o que tem causado uma certa preocupação de nosso Governo Federal, muito embora o Brasil possua reservas suficientes para suportar a queda de investimentos da Espanha. As empresas espanholas têm diversas concessões nas áreas de energia (Iberdrola, controladora da NeoEnergia), telecomunicações (Telefônica) e rodovias (OHL) e o Santander é um dos cinco maiores bancos em atividade no país. Contudo, existem assuntos nebulosos que preocupam empresários e investidores, itens como:

  • a carga tributária brasileira para viabilização de seus produtos e serviços dentro do mercado brasileiro;
  • a transferência de tecnologia, de máquinas e equipamentos, a importação e exportação de mercadorias;
  • a estrutura societária e de administração necessária para operacionalizar a empresa estrangeira;
  • o valor necessário para ingresso de investidor estrangeiro no Brasil;
  • os registros dos produtos nas Agências Reguladoras no Brasil;
  • a concorrência local, os fornecedores de insumos confiáveis e o potencial de mercado;
  • a cultura, usos e costumes do brasileiro, e na maneira de se fazer negócios;
  • as novas regras de reciprocidade para a entrada de espanhóis no Brasil;
  • a obtenção de visto de trabalho e de investidor.

Perfil dos investidores
De maneira geral, podemos caracterizar os empresários espanhóis e catalães como pragmáticos, informados, cautelosos, objetivos, sérios, com ótima formação educacional, e em função da crise estão bastante focados na avaliação de mercados potenciais para investimentos estrangeiros, analisando além do Brasil, outros países como China, Rússia, Austrália, África e Chile.

O desejo é vir para o Brasil é praticamente unânime, conhecer regiões como nordeste, centro-oeste, sudeste e sul para verificar onde podem instalar suas plantas industriais, aproveitando de benefícios fiscais, e identificar fornecedores locais de confiança e que possam ser parceiros estratégicos no desenvolvimento de seus negócios.

Outros estão mais preocupados em desenvolver primeiro a área comercial, canais de distribuição, representantes comerciais, networking, e os potenciais clientes, e precisam desenvolver um plano estratégico consistente para que não incorram em tentativas frustradas ou caiam nas mãos de parceiros nocivos ou mal intencionados.

Algumas empresas já exportam para o mercado brasileiro e países do Mercosul, ou tem negócios com distribuidores e representantes locais, porém querem investir mais para aumentar o market share, ou instalar-se efetivamente no país.

Diferenças tributárias e econômicas
Entre as barreiras estão aspectos como entender a complexa legislação tributária, aduaneira e de investimento estrangeiro. Itens que fazem com que as empresas se sintam desamparadas pela dificuldade de encontrar consultorias, despachantes aduaneiros, contabilistas e escritórios jurídicos especializados para assessorá-los de forma profissional.

Ainda hoje é comum nos depararmos com organizações que mantêm planilhas de custos de importação com erros de cálculos tributários e de classificação fiscal oferecidos por empresas brasileiras. Falhas presentes em grandes e requisitadas consultorias mundiais contratadas fora do Brasil por falta de conhecimento empresarial e técnico.

Grande parcela dos empresários e investidores enxerga o Brasil como um mercado com grande potencial de expansão e estabilidade financeira tanto público como populacional, porém sabem dos problemas políticos, de segurança, de infraestrutura, de cultura, do alto custo de vida nas principais capitais, e de segurança jurídica, mas com grandes chances de explorar esse crescimento sustentável do país, trazendo know-how, conhecimento e novas tecnologias.

Alguns cuidados são necessários na realização de negócios com estrangeiros na medida em que nos investimentos estrangeiros geram alguns riscos para brasileiros que vierem a representar ou forem nomeados para administrar esses bens no Brasil.

De acordo com o artigo 11, inciso XIV, da Instrução Normativa RFB 748, de 2008, são obrigadas a se inscreverem as pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, quando possuir os seguintes bens ou praticarem as seguintes operações:

a) possuam imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, participações societárias, contas-correntes bancárias, aplicações no mercado financeiro e de capitais, bens intangíveis com prazo de pagamento superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, e financiamentos;

b) pratiquem importação financiada, arrendamento mercantil externo (leasing), arrendamento simples,aluguel de equipamentos e afretamento de embarcações, importação de bens sem cobertura cambial, destinados à integralização de capital de empresas brasileiras, empréstimos em moeda concedidos a residentes no País, investimentos, outras operações estabelecidas e disciplinadas pela Cocad.

Ainda, nos termos do artigo 20, da mesma Instrução Normativa, e também a de número 76/98, do Departamento Nacional do Registro do Comercio (DNRC), deverá ser nomeada uma pessoa física responsável e residente no Brasil com CPF perante o CNPJ do investidor estrangeiro, o que em termos práticos estará vinculado e responderá pelos tributos incidentes sobre os bens e operações realizadas, bem como pelas obrigações de natureza cível, trabalhista, previdenciário e ambiental.

Ademais, nos termos dos artigos 119 e 146, da Lei das Sociedades Anônimas, em se tratando de Diretoria e de Conselheiros, estes devem ter residência no Brasil, e responderão pelos atos praticados no Brasil em nome dos estrangeiros.

Nesse passo, é muito comum que sob ordens dos sócios e acionistas estrangeiros, os administradores, diretores e conselheiros de empresas estrangeiras sejam obrigados a praticar atos de gestão que podem levar os brasileiros a responder de forma pessoal por riscos, autuações e ilícitos, e posteriormente caso haja condenação restará apenas o direito de regresso ou reparação em ação judicial que deverá ser promovido no país do sócio ou acionista estrangeiro.

O responsável brasileiro poderá sofrer constrição ou penhora de seus bens pessoais para atender as obrigações sociais para somente depois ir buscar a devida reparação que pode levar muitos anos dependendo da celeridade da Justiça daquele país.

Uma alternativa de solução para essa problemática é a contratação de D&O Insurance (Directors and Officers Liability Insurance), que é um seguro de responsabilidade civil pago pelas empresas para reparar eventuais danos e custos judiciais que os administradores, diretores e conselheiros venham a sofrer em decorrência de algum tipo de ação cível, criminal ou administrativa.

Diante disso, o empresário brasileiro e os responsáveis pelos investimentos estrangeiros precisam se preparar para essa nova realidade de investimentos buscando também mais informações, educação, e cultura para que possa viabilizar parcerias ou até sociedades com estrangeiros, caso contrário podem vir a enfrentar muitos desafios com uma concorrência internacional mais preparada, e focada em resultados, bem como ficar vulnerável nos casos em que atuar como responsável no Brasil pelos investimentos e operações praticadas.

André Iizuka é sócio da Iizuka Advocacia, especialista na assessoria e consultoria jurídica para estrangeiros e sócio-fundador e membro do Conselho Fiscal do Instituto de Tecnologia de São Caetano do Sul (ITESCS).

Revista Consultor Jurídico, 29 de junho de 2012, 12h14