André Iizuka: Contratos de TI são falhos e podem trazer riscos para empresas

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Advogado especializado em tecnologia da informação alerta os gestores para que fiquem atentos na hora de contratarem ou comprarem serviços para evitar problemas na Justiça.

admin

01/07/2014 às 10h07

Foto: https://computerworld.com.br/acervo/contratos-de-ti-sao-falhos-e-podem-trazer-riscos-para-empresas/

Pouco se discute sobre os contratos na área de Tecnologia da Informação (TI) – B2B, bem como os efeitos gerados nos aspectos tributários, concorrencial, propriedade industrial, relações de trabalho, consumo, importação e exportação.

Isto se dá por falta de conhecimento multidisciplinar da maioria dos profissionais da área jurídica, em função de focarem mais na especialização, deixando de lado as questões empresariais, organizacionais, estratégicas, contábeis, econômicas, sociais e humanas. Para completar essa carência, são raros os que se interessam por tecnologia, e para piorar esse cenário, a legislação vigente em nada contribui para regular esses contratos.

Como se sabe, os equipamentos tecnológicos são formados por hardware, firmware e por software. O hardware corresponde à conjugação de placas de circuito eletrônico (Microprocessador, Motherboard, Hard Disk – HD, placas de vídeo, de som, etc.) que ao serem ligadas executam funções específicas ou conjuntas. 

Já firmware é um componente eletrônico em que são gravados informações do sistema operacional que geralmente não podem ser alterados senão por uma intervenção física ou aplicativos especializados, enquanto que o software é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem codificada, contido em suporte físico de qualquer natureza, baseado em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados e pode ser alterado pelo usuário da tecnologia.

Dessas três frentes de negócios há várias empresas no mundo focadas na produção de hardware, firmware e outras em software, investindo milhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias para facilitar o dia a dia das pessoas e das empresas, minimizarem os custos de produção, bem como levar diversão e entretenimento.

Neste ponto, pode-se associar os negócios de hardware e firmware às operações de venda de mercadorias, enquanto o software às operações de prestação de serviços, ou de cessão ou licença de direitos.

Com relação aos negócios interempresariais gerados na venda de computadores, acessórios e equipamentos correlatos, inexiste grandes problemas de ordens contratuais, pois estão entre os tradicionais existentes, tais como de Compra e Venda, de Distribuição, de Fornecimento, de Agenciamento e Intermediação, de Representação Comercial, entre outros. 

A legislação

Porém, no que tange à prestação de serviços, e cessão ou licença de direitos, pode-se dizer que praticamente inexiste previsão dos direitos e obrigações entre os contratantes de todas as operações que envolvem tecnologia no Código Civil/2002, na Lei nº 9.609/98 (Lei de Software), e mesmo na Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais).

A Lei de Software dedica de forma absolutamente precária apenas três artigos (9º, 10º e 11º), que tratam de licença de uso, comercialização, e de transferência de tecnologia, aos contratos interempresariais.

Já no aspecto tributário, até em função da voracidade do governo ávido por arrecadação, houve grandes evoluções na definição dos tipos de serviços na área de tecnologia, que melhor demonstram a carência no aspecto do Direito Civil e de Propriedade Intelectual, entretanto quando se fala a respeito de manutenção, depreciação do ativo intangível, entre outras questões, geram-se muitas controvérsias tributarias a respeito da classificação e contabilização.

Até o advento da Lei Complementar nº 116/2003, o Decreto-lei nº 406/68 previa no item 25, da Lista de Serviços apenas os serviços de “análises, inclusive de sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processamento de dados de qualquer natureza”.

A nova lei veio dispor logo no início da nova lista os seguintes serviços: 1.01 Análise e desenvolvimento de sistemas; 1.02 Programação; 1.03 Processamento de dados e congêneres; 1.04 Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos; 1.05 Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; 1.06 Assessoria e consultoria em informática; 1.07 Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados; e 1.08 Planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas.

Porém, cada um desses serviços guarda diversas características próprias que acabam sendo definidas pelo lado mais forte da relação contratual (às vezes o cliente, às vezes as empresas de TI) sem que haja equilíbrio nessa contratação. 

Além disso, nem sempre são previstas todas as garantias necessárias para uma boa execução do contrato, sendo utilizados nas cláusulas até mesmo termos ou conceitos impróprios ou inadequados, o que acaba desaguando no Poder Judiciário para solução destes conflitos, justamente por falta de cuidado na elaboração do contrato.

Quatro modalidades de contratos

Para complicar ainda mais as relações contratuais, há quatro modalidades de contratação utilizadas pelas empresas: contrato personalizado, contratos de adesão, Request for Proposal (RFP) e licitações privadas. 

No contrato personalizado normalmente as empresas se reúnem para elaborar um documento expressando exatamente a operação com a cobertura dos riscos, obrigações e direitos dos contratantes. 

Já os contratos de adesão são aqueles em que uma empresa divulga num mercado pulverizado de consumidores e caso esses queiram adquirir um determinado produto ou serviço devem aderir aos termos.

Em relação ao Request for Proposal (RFP) e licitações privadas, alteram-se as posições e o comprador passa a ditar as regras da contratação, a especificação das necessidades, bem como a forma de fornecimento e prestação de serviços e se o fornecedor não aceitar aquelas condições, ficam impedidos de participar daquela concorrência.

Não obstante a isto, a cada dia as empresas de tecnologia vêm criando serviços inovadores e diferenciados fugindo dos institutos jurídicos tradicionais, causando muitas vezes confusão dos operadores do direito por se tratarem de contratos atípicos. 

Dentre eles, podemos citar os contratos de outsourcing, de middleware, de colocation, de alocação de profissionais, de utilização de conteúdo, de hospedagem, acordos de nível de serviço (SLA), de gestão de processos e de projetos de tecnologia (PMO), de cleaning, de armazenamento de dados, cloud computing, entre outros.

Além disso, é comum a proposição de contratos de tecnologia estrangeiros que em alguns casos transgridem normas constitucionais, mas são mantidas pelas multinacionais em função das políticas internas, muito embora os departamentos jurídicos destas tenham a plena convicção de que a anulação será certa no Poder Judiciário.

Um erro muito comum entre os operadores do direito é a elaboração de contratos apenas com a nomenclatura de prestação de serviços de informática, quando deveriam fazer especificar os serviços com o devido enquadramento tributário, além de regrar melhor as questões operacionais, de propriedade intelectual, as garantias, a forma de rescisão e as relações de trabalho existentes dentro da própria empresa de informática. Quem contrata a prestação de serviços torna-seproprietário do software, e internamente dependendo da contratação feita a propriedade pode pertencer ao empregado, conforme o artigo 4º, e §2º, da Lei de Software, o que pode gerar ao cliente final diversos transtornos futuros.

Diante disso, é certo que as empresas de tecnologia devem estar atentas à elaboração dos contratos, pois pode prevalecer mais o pacta sunt servanda do que o rebus sic standibus, principalmente porque o Poder Judiciário vem pressupondo que nas relações interempresariais (B2B), o “prejudicado” deve estar bem assessorado juridicamente.

*André Iizuka é advogado especialista no segmento de Tecnologia da Informação e Telecomunicações, sócio da Iizuka Advocacia e Pesquisador do Grupo de Estudos de Tributação Internacional (GETI-NEF) do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – NEF/DireitoGV.